quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Crônica | Buk, as galinhas e o despertador.


Abril. O sol matutino aquece a manhã de outono. Há algazarra de pássaros na mangueira enquanto as galinhas ciscam no jardim de girassóis. O mato verde circula a casa-de-sapê bem construída. Os detalhes na parede bem talhada a mão e o teto de palhas agasalhadas simetricamente evidencia o primor do trabalho artesanal aplicado na construção. Na sala de estar, sobre a mesa de imburana, alguns livros e frutas. Na parede há fotos de crianças sorridentes. Há redes e tucuns armados pelos cômodos.

Na cozinha, jogos de panelas dependurados, um fogão a lenha e inúmeros acessórios interioranos. O cheiro de café sai porta a fora e invade o quintal onde dois seres humanos se entreolham: ela troca o adubo da horta de hortaliças enquanto ele, de livro em mãos, declama Vinícius: “que seja eterno enquanto dure…” a voz arrastada ecoa no vazio do quintal ao encontro dela que ri, maliciosamente. Ela devolve a gentileza com um olhar de candura.

Os rostos enrugados e os cabelos grisalhos de ambos, meios aos sorrisos e olhares, se complementam, já algumas décadas, deveras. Detalhes…

A paz é quebrada quando Buk, o cão serelepe, chega correndo com insistentes latidos atrás das galinhas por entre os canteiros. O casal observa a cena. Depois de inúteis intervenções, eles juntos gargalham das traquinagens de Buk.

Trim lim lim trim…” o som do despertador me acorda. Mais um devaneio. Mais um sonho! Um dia de trabalho na selva de concreto está a minha espera. Levanto-me.


SILVA, Marcello. 2017
Image: Reprodução da obra de Everaldo Romano

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